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ENSAIOS
Um Romeno em São Paulo
Autor:Entrevista de Adrian Petrutiu a Fabio Rigobelo, Assessor de Comunicação da Fundação Osesp.
14/abr/2023
Adrian Petrutiu, Músico Homenageado.

Adrian Petrutiu, Músico Homenageado, representa bem a universalidade da música, tema desta Temporada 2023 “Sem Fronteiras”. Ele nasceu na Romênia em 1974, chegou à Osesp em 1998 e, dez anos depois, assumiu a posição de spalla dos segundos violinos. Através de Adrian — que estará presente por diversas vezes nos concertos ao longo de 2023 —,
a Osesp celebra também todos os músicos estrangeiros que adotaram o Brasil, especialmente a nossa Orquestra, como
seu segundo lar.

 

Conte-nos um pouco sobre sua iniciação musical em Bucareste, Romênia, quando criança. Sendo filho de uma professora de violino, foi natural tornar-se também violinista?

 

Nascido em uma família de músicos, com meu pai professor de clarinete e minha mãe professora de violino, foi natural estudar música e aprender a tocar um instrumento. Meus pais decidiram que meu instrumento seria o violino. Então, oficialmente, comecei o estudo em uma escola de música, com 6 anos de idade, ao mesmo tempo em que iniciei a escola regular. Como criança, precisei sacrificar o tempo livre, o tempo de brincar. Mas, agora, olhando para a minha trajetória profissional, acho que valeu a pena todo o sacrifício. Não tem outro jeito de alcançar seus objetivos sem muitos anos de estudo.

 

Você iniciou a carreira profissional quando ainda era um estudante na Academia de Música de Bucareste. Como foi esse período?

 

É verdade. Eu consegui entrar em uma orquestra profissional, a Orquestra Nacional da Rádio Romena, depois de acabar o primeiro ano de faculdade. A partir do segundo ano, até o final [da graduação], eu era estudante e, também, músico profissional. De um lado, foi muito bom, pois aprendi desde cedo o trabalho de músico de orquestra, com todos os segredos que não se aprendem na escola, e, sim, com colegas mais experientes. De um lado, foi difícil, pois muitas das aulas da universidade aconteciam ao mesmo tempo que os ensaios da orquestra, e como eu não podia faltar aos ensaios, acabava faltando nas aulas. Então, no final do semestre, na época dos exames das disciplinas da faculdade, alguns professores não aceitavam que os estudantes que não frequentaram muito as aulas fizessem os exames. Foi um período de sufoco, mas, graças a Deus, já passou. Não fiquei de recuperação em nenhuma matéria e terminei a faculdade com sucesso.

 

Como aconteceu a sua vinda para São Paulo e para a Osesp em 1998?

 

A história da minha chegada à Osesp é muito interessante. Quando a banca examinadora da Osesp — então formada pelo maestro Roberto Minczuk, assistente do maestro John Neschling, por Cláudio Cruz, spalla da Osesp à época, e um impresario romeno, amigo de confiança do maestro — chegou a Bucareste para organizar um concurso, não me apresentei na audição. Estava com o melhor preparo possível para um jovem estudante, porque tinha acabado de me formar na Universidade de Música de Bucareste. Uns dias antes, tinha apresentado meu exame final e estava curtindo as férias de verão. Depois do concurso da Osesp em Bucareste, soube que alguns colegas participaram da audição e iriam viajar pra São Paulo. Naquela época, o Brasil parecia muito longe e foi impossível me imaginar vivendo em São Paulo.

 

Alguns meses se passaram, a primeira temporada da Osesp (a minitemporada de 1997) se encerrou e, então, em dezembro, quando meus colegas romenos voltaram para casa, contaram como foi linda a experiência em São Paulo, como foram bem recebidos pela Osesp e que estavam super ansiosos para voltar para o início de uma temporada completa, a temporada de 1998, que começaria em fevereiro do ano seguinte. Eu ouvia as histórias sobre o Brasil contadas por eles como um conto de fadas de outro mundo, impossíveis de acontecer comigo já que eu tinha perdido a chance em Bucareste e a distância era grande demais para tentar a sorte e participar de um concurso em São Paulo. Em fevereiro de 1998, uma das colegas violinistas romenas que fez parte do grupo inicial da Osesp comunicou ao maestro John Neschling que não poderia mais retornar a São Paulo por motivos pessoais. Então, ele pediu para aquele impresario amigo seu, que estava na Europa, que encontrasse mais um violinista para completar o grupo dos romenos que iriam retornar a São Paulo em fevereiro de 1998.

 

Absolutamente por acaso, encontrei com esse impresario na Sala Rádio, sede da minha orquestra da época, depois do ensaio geral e, conversando, soube que ele estava à procura de um violinista, e ele descobriu que eu estava interessado em fazer parte da Osesp. Os astros estavam começando a se alinhar. Combinamos que eu iria tocar para ele naquela noite, antes do concerto da minha orquestra, um concerto de Mozart — assim como qualquer candidato violinista tem que apresentar um concerto de Mozart nas audições de todo o mundo.

 

Estudei intensamente, por horas, o concerto de Mozart, me apresentei para o impresario, que disse que eu iria viajar para São Paulo junto com os outros romenos. Fiquei muito feliz, mas ainda restava o problema do visto brasileiro. Como fiz a audição na sexta-feira à noite, somente na segunda-feira pude comparecer à Embaixada do Brasil para dar entrada no pedido de visto de trabalho, e o grupo dos romenos tinha marcado a viagem para o Brasil para a sexta-feira seguinte.

Arian Petrutiu liderando os segundos violinos da Osesp em apresentação das Sinfonias nos 1 e 2 de Robert Schumann em orquestração de Gustav Mahler sob regência de Marin Alsop na Sala São Paulo em 2019.

 

É difícil descrever o que foram aqueles cinco dias. O departamento administrativo da Osesp resolveu a parte deles muito rapidamente, e eu também ia todos os dias à Embaixada para resolver o que era necessário de minha parte. E, como que por um milagre, tudo deu certo. Na sexta-feira de manhã eu ainda estava na Embaixada sem saber se conseguiria viajar com os outros. Em casa, a minha mãe empacotava minha mala. Horas depois, quando soube que o visto ia sair, meus pais chegaram de carro na Embaixada e me levaram para o aeroporto. Nem sabia o que havia na mala. Naquela manhã, acordei sem saber que à noite estaria no avião que me levaria para o começo de uma nova etapa da vida. Tinha 23 anos e estava pronto para conhecer novos horizontes.

 

Você chegou ao Brasil um ano antes da inauguração da Sala São Paulo. O que mais te marcou nessa época de mudanças tão importantes para a Orquestra?

 

Tudo na minha vida, naquela época, era uma mudança! Sob todos os pontos de vista: a saída do meu país [Romênia], o afastamento da minha família, dos amigos e colegas romenos, a mudança para um outro estilo de vida, até a situação da Osesp, que estava recomeçando depois de uma restruturação, procurando deixar uma marca no cenário nacional e internacional, enquanto ainda não tinha casa própria. Todas essas mudanças pelas quais a Osesp estava passando coincidiram com as mudanças radicais na minha vida. Foi uma época cheia de incertezas, bem diferente da situação atual da Orquestra, com sede própria, com tudo o que hoje em dia representa a Fundação Osesp.

 

Como você enxerga sua experiência na Osesp nesses últimos 25 anos? E depois que se tornou chefe de naipe dos segundos violinos, em 2008, as coisas mudaram?

 

Sou extremamente grato por esses últimos 25 anos! As pessoas e os colegas aqui da Osesp nos receberam com muita amizade, com o coração aberto, crescemos juntos, nos aperfeiçoamos juntos, aprendemos a confiar uns nos outros, aprendemos a criar momentos musicais mágicos juntos.

 

Depois de me tornar chefe de naipe dos segundos violinos, é claro que a minha vida mudou. Mas só por um aspecto: a responsabilidade é outra! Antes de assumir oficialmente essa posição, por uns anos, eu já tocava na primeira estante, como assistente, mas a responsabilidade e o nível do estresse mental não se comparam com os da cadeira de liderança. Mas me sinto “sortudo” por ter ao meu redor colegas talentosos e dedicados, profissionais de verdade, que me ajudam na minha “missão”.

 

Adrian Petrutiu aos 23 anos, em 1998, quando chegou em São Paulo.

 

A Osesp é uma orquestra com músicos de múltiplas nacionalidades, e você é um deles. É importante para uma orquestra sinfônica ter integrantes de diferentes formações e experiências?

 

É importante, claro, mas requer também muita paciência e tolerância entre os colegas, considerando que cada um vem de uma escola diferente, de culturas diferentes, às vezes, com visões diferentes. O profissionalismo de cada membro da Osesp é incontestável, a gente só precisou se “sintonizar” um pouco para conseguir um resultado excepcional. No momento em que a gente está no palco, quando se instaura aquele silêncio, segundos antes do início do concerto, precisamos pensar todos do mesmo jeito, respirar todos do mesmo jeito e, por que não, sentir todos do mesmo jeito, para criar algo único, um concerto impressionante para a plateia e, assim, alcançar os corações do público.

 

Você tem outras atividades ou projetos paralelos além de sua atuação na Osesp? Conte-nos também um pouco dos seus planos e expectativas para 2023.

 

Não tenho muitos projetos fora da Osesp, mas meu desejo para 2023 é poder continuar a realizar o meu trabalho da melhor forma possível, com responsabilidade, seriedade e inspiração. Quero continuar me dedicando à música sem deixar que ela vire uma rotina, para poder, junto com meus amigos no palco, transmitir ao público a energia que pode “curar as almas”.

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Entrevista a Fabio Rigobelo, Assessor de Comunicação da Fundação Osesp.